sábado, 11 de julho de 2015

Eu e o Marxismo Ortodoxo...

Meu pai dizia que estudar era coisa de gente que não gosta de trabalhar. E no meu caso, tinha um fundo de verdade. Detestava meu trabalho, trabalhei como camelô, entregador de mercadinho e ajudante de pedreiro. Não achava nada gratificante ganhar pouco para fazer grandes esforços físico sob o sol de rachar. Ainda era descriminado por isso, levava duras da PM, tinha mercadorias roubadas pela Guarda Municipal, e quase saí na porrada com uns playboys de Icaraí que não queria pagar a cerveja que bebeu do meu isopor...
Sair do ensino público estadual e entrar em uma universidade federal é um choque cultural. Pela primeira vez via a necessidade de estudar para passar nas provas e fazer trabalhos com um nível de complexidade e eruditismo jamais imaginado para quem mal tinha professores e nem tinha livros.
Mas, havia passado para o curso de História na UFF (passei para a UERJ também, mas escolhi a de Niterói), para onde fui levado pela conjuntura da vida: falta de professores de exatas, o que impossibilitava esta área, pois também não consegui um pré-vestibular gratuito e me sentia idiota por não conseguir aprender física, química e matemática sozinho; e uma aproximação de uma militância política, tentativas de entrar no movimento estudantil e na extinta esquerda do PT (idos 1996).
Iniciei a militância na UFF um pouco antes de iniciar os estudos, ajudando colegas na eleição do DCE. Logo passei a ser assediado por muitas correntes políticas, que queriam ganhar o novo estudante como correligionário. Mas eu insisti por muito tempo me manter como independente, apesar de filiado ao PT, pelo simples fato de não ter conhecimento o suficiente para escolher uma corrente e aceitar um “centralismo democrático”.
Assim, me dei como tarefa, no recesso entre o primeiro ao segundo semestre de 1997 (meu primeiro ano de UFF) ler a obra de Marx, não tinha ideia do tamanho da tarefa. Não consegui ler tudo neste período, mas ao ler as obras escolhidas, já havia me dado noção de que boa parte da militância de esquerda não tinha passado perto daqueles textos.
A obra de Marx e Engels e o marxismo passaram a ser meu maior interesse e objeto de estudo. E pela primeira vez, me vi como autodidata. Pouco depois, entrei no GET-Marx (Grupo de Estudos e Trabalho sobre Marx e o Marxismo, coordenado pela professora Virgínia Fontes). Muito bom, para iniciar a prática do debate político-teórico.
Por ter conhecido o marxismo lendo a obra de Marx e Engels, logo percebi que as minhas concepções políticas eram muito diferentes das correntes políticas presentes no movimento estudantil. Stalinistas, trotskistas, gramscianos, maoístas, reformistas e, em comum, a todos, nenhuma referência a Marx. Na academia ainda era pior, mesmo estas correntes marxistas eram minoria absoluta, e Marx era visto como ultrapassado ou démodé.
Quando optei fazer a monografia sobre História do Marxismo, os professores de esquerda e ditos marxistas foram os primeiros a negarem orientação. E manter-se como estudante de História marxista era muito penoso, principalmente no debate historiográfico, as categorias marxistas sem suas nuances gramscianas ou thompsonianas eram considerado heresia, e ainda o é.
As análises que tenho feito das produções acadêmicas ditas marxistas é que Marx só aparece em citações de citação (apud), sua obra virou apenas uma referência não lida, apenas usam seus intérpretes, sem conhecer a fonte original dos conceitos utilizados.

Marxismo ortodoxo, para a academia e os militantes de esquerda tradicionais, virou sinônimo de estruturalismo, determinismo e iluminismo. Há uma verdadeira caça às bruxas, onde liberais, fascistas, trotskistas, reformistas, anarquistas, pós-modernos, movimentos de minorias, religiosos se unem em combate a um inimigo comum: o marxismo.

Empunhando esta percepção autobiográfica, sei que serei alvo de inúmeros ataques. Mas a luta que nos faz forte. O fato de ser atacado constantemente, reforça as categorias marxista. E força os marxistas a estudarem constantemente e analisar a realidade pelo olhar do materialismo dialético. 

quarta-feira, 18 de março de 2015

Moral e atualidade

Após muitos anos, resolvi publicar neste blog, pois o espaço nas redes sociais é muito pequeno para reflexões um pouco mais filosóficas. Assim fiz um esboço de um panfleto sobre a moral.
A questão moral sempre foi assunto da filosofia, porém,como marxista, parto do principio da construção social da moral. A moral é sim uma construção classista, sendo uma partícula da ideologia de nossa sociedade, logo, quando falamos de moral atualmente, falamos da moral burguesa.
A burguesia se construiu sobre o ataque ao moralismo medieval, ao mesmo tempo que ajudou a construir a moral protestante (puritanismo, etc.). As contradições são inerentes ao processo histórico.
Como reflexão divido a perspetiva moral de nossa sociedade entre as classes que a compõe.
Resumindo topicamente a posição da classes em relação a moral burguesa:
  • Alta Burguesia: Amoral
  • Pequena Burguesia: imoral
  • Classe Média (parcela do proletariado abastada, que se identifica mais com os princíos da ideologia burguesa): Falso moralismo
  • Proletariado: Moralismo (imposto ideologicamente ou coercivamente)
  • Lumpemproletariado: imoral

Apesar da burguesia ser a propagadora da moral e criadora dos princípios sociais de nossa sociedade, ela se sente acima das leis e da moral que ela mesma criou. Por ter controle total sobre todas as instâncias de poder, não tem culpas morais e se abstêm de juízos de valor.
Típica manifestação pequeno-burguesa
A pequena burguesia aposta na imoralidade como meio de ascender socialmente. São os pequenos empresários, ongueiros e oportunistas empreendedores, que exploram o trabalho, corrompem os direitos e propagam o ódio. Apesar de terem um senso moral, que inclusive propagam em Igreja e Associações, agem corruptamente.
A classe média é uma parcela do proletariado que se corrompeu com cargos e remunerações mais altas, querem tornar-se pequenos-burgueses, porém tentam parecer moralmente superiores. São ignorante e puritanos, ao mesmo tempo que exalam o odor característico da imoralidade pequeno-burguesa. Foi está classe média que alimentou o nazismo, o fascismo e as ditaduras na América Latina. Apesar desta infame marca, muitos seres oriundos desta classe se tornam intelectuais, e por conta disso, por vezes rompem com as correntes ideológicas que os prendem a uma vida hipócrita e com uma capa moralista.
O proletariado, apesar de sua pobreza, é a única classe que permanece com os princípios morais, ainda que deteriorados. São ideologicamente amansados, pacíficos, trabalhadores, solícitos e solidários até com seus algozes. Quando se sentem ameaçados seja pela fome ou pela violência, como qualquer animal, reagem violentamente, aí a ideologia cede lugar à coerção dos aparelhos policiais. O proletariado é contido e sem se livrar da ideologia burguesa permanece ordeiro e produtivo.
Mas a miséria e a ideologia fazem alguns proletários cair em outra classe: o lumpemproletariado. O "lumpen" é camada putrefata da sociedade, são os proletários que castigados pela vida perdem os padrões morais e se tornam tão imorais quanto os pequeno-burgueses. Vendem o próprio corpo, roubam seus iguais, matam por dinheiro. São os mercenários, policiais, guardas municipais, traficantes, prostitutas, mendigos, punguistas, assaltantes, capitães do mato modernos. 
A alta burguesia não se mistura com o povo (conceito que engloba várias classes, com intuito de formar ideologicamente uma identidade entre as classes que não estão no poder), o papel de trazer a massa para ideologia burguesa fica para os intelectuais pequenos burgueses e de "classe média" que se identificam com ela. Neste processo pode ocorrer movimentos de massa, onde o lumpemproletariado é usado exaustivamente e uma parcela do proletariado mais ideologicamente engajado ao lado dos seus algozes promovem o ódio contra aqueles que desequilibram a balança ideológica da burguesia.
As manifestações do dia 15 só foram um exemplo de movimento de massa ideologicamente ligado à complexa ideologia burguesa, onde parte da grande burguesia apoia os pequeno-burgueses para guiar a classe média, o lumpen e parcelas mais alienadas do proletariado a defender a moral burguesa contra possíveis desvios para uma nova moral (talvez uma moral mais proletária).
Como se pode notar o marxismo não só dá ferramentas para entender a lógica econômica
do capital, mas todo o processo ideológico e político que envolve o domínio burguês da sociedade.