quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

GRAMSCI, TRABALHO E EDUCAÇÃO.

No Brasil dos anos 1970, emerge uma moda gramsciana, pois esta teoria remeteria a uma guerra de posição, já que os movimentos comunistas tradicionais (PCB) e radicais (Luta Armada) – guerra de movimento – haviam fracassado. Gramsci aparece como um revolucionário moderado, mas adequado à situação de “abertura gradual” e conservadora no Brasil (cf. Nosella, 1992). Ele emerge em conjunto com o movimento de luta democratizante, sendo o ícone da guerra de posição, a luta anti-hegemônica, da disputas pelos pequenos espaços na sociedade civil.
Gramsci torna-se paradigmático na pedagogia brasileira através do surgimento da pedagogia histórico-crítica, que tem como principal teórico e fundador o Professor Demerval Saviani, que lança suas bases nos artigos que depois foram reunidos no livro Escola e Democracia (2008). Esta corrente pedagógica influencia a maioria dos trabalhos teóricos de orientação marxista, atualmente, no Brasil.
Nosella, em um artigo recente, relembra as discussões do período de formação da corrente pedagógica aqui referida:
Teoricamente, o debate dos educadores encontrou nos escritos de Antonio Gramsci um grande alento. Presenciamos a uma verdadeira “gramscimania”, isto é, a uma excepcional difusão dos escritos desse intelectual marxista italiano. Calcula-se que mais de 40% das dissertações e teses de pós-graduação em educação, produzidas na década, citavam Gramsci como principal referência teórica. Suas frases eram citadas, em epígrafe, nos projetos ou nas propostas de política educacional de várias secretarias de Educação, estaduais e municipais. O nome de Gramsci era citado com grande freqüência nos congressos e nas reuniões das várias associações científicas e sindicais dos educadores. A literatura sobre ele e dele era sempre bem-vinda e até mesmo bem vendida.

O primeiro saldo positivo decorrente dessa onda de estudos marxistas, sobretudo da visão gramsciana, foi o abandono por parte dos educadores do velho marxismo ortodoxo stalinista e a adoção sistemática da crítica ao tradicional didatismo técnico. Privilegiou-se a visão teórica que explica o fenômeno escolar pela sua relação com a sociedade, com a economia e com a política. O discurso repleto de citações gramscianas ra, para os educadores de duas décadas passadas, elemento de distinção cultural que os prestigiava com relação aos tradicionais pedagogos didatistas. Gramsci e também Paulo Freire tornaram-se bandeiras de orgulho e estímulo para a organização político-sindical dos pedagogos. (Nosella, 2005. p. 226)

Saviani se expressa através de um evidente cabedal teórico gramsciano, no seu livro Educação: do senso comum à consciência filosófica (1980) ele expõe seu método e suas convicções, no entanto nega que a introdução de seu livro seja um estudo sobre Gramsci:
No primeiro caso trata-se de uma interpretação que incide sobre o texto introdutório, que recebeu o mesmo título do livro, tomando-o isoladamente e considerando-o como sendo uma leitura de Gramsci. A esse respeito cumpre esclarecer que de forma alguma se pretendeu, naquele texto, apresentar uma leitura de Gramsci. O objetivo do texto era muito simples e despretensioso. Pretendia tão-somente justificar o título dado ao conjunto de ensaios reunidos nesta obra. Se foram feitas diversas citações de Gramsci, isto ocorreu simplesmente porque a temática concernente à relação entre senso comum e filosofia é constante e central no pensamento gramsciano. E, ainda que eu tenha me preocupado com essa problemática, independentemente da influência do vigoroso pensador italiano, não senti necessidade de o proclamar, preferindo, ao contrário, realçar a relevância do tema, pondo em evidência que tais preocupações já estavam fortemente presentes num autor hoje considerado clássico.
É evidente no texto de Saviani a influência de Gramsci, que apesar “não proclamada” está implícita em seu discurso de introdução aos artigos publicados em sua obra. Além de Gramsci, Marx e Kosik figuram como referenciais teóricos privilegiados pelo autor. Esta tríade de autores será base teórica para formação da chamada pedagogia histórico-crítica.
Saviani (1984) faz breve apresentação de alguns desses conceitos e aproxima a função do educador a formação de um bom senso. Para esta nova pedagogia os conteúdos tornam-se fundamentais, pois a Cultura e a educação escolar, em seu caráter contraditório e mediador faz com que os estudantes rompam com as concepções folclóricas (senso comum) e partem para o bom senso:
Considerando-se que "toda relação de hegemonia é necessariamente uma relação pedagógica", cabe entender a educação como um instrumento de luta. Luta para estabelecer uma nova relação hegemônica que permita constituir um novo bloco histórico sob a direção da classe fundamental dominada da sociedade capitalista — o proletariado. Mas o proletariado não pode se erigir em força hegemônica sem a elevação do nível cultural das massas. Destaca-se aqui a importância fundamental da educação. A forma de inserção da educação na luta hegemônica configura dois momentos simultâneos e organicamente articulados entre si: um momento negativo que consiste na crítica da concepção dominante (a ideologia burguesa); e um momento positivo que significa: trabalhar o senso comum de modo a extrair o seu núcleo válido (o bom senso) e dar-lhe expressão elaborada com vistas à formulação de uma concepção de mundo adequada aos interesses populares. (p.11)

Além do próprio Saviani, trabalharemos alguns de seus principais orientandos: Cury, Namo de Mello, Nosella e Frigotto; que em conjunto com Saviani formaram o núcleo desta corrente durante os anos 1980.
Cury, que no mestrado estudara a relação entre liberais e católicos na pedagogia brasileira, em sua tese de doutorado dedica-se a formulação teórica das bases da corrente pedagógica nascida entre os orientandos de Saviani. Seu trabalho é publicado, cinco anos depois, sob o título Educação e Contradição e tem por objetivo clarificar as categorias chaves desta nova pedagogia, cujos mestres teóricos seriam Marx e Gramsci:
As categorias da contradição, totalidade, mediação, reprodução e hegemonia são mutuamente implicadas e de tal forma que a exposição e explicação de uma já é e exige a explicação e exposição das outras. Dessa forma, pretende-se categorias dialetizadas que se mediem mutuamente. A categoria da contradição, para não se tornar cega, só se explicita pelo recurso à da totalidade. Essa, por sua vez, para não se tornar vazia, necessita recuperar a da contradição em uma síntese mais abrangente. Consequentemente, exige a superação dos dualismos ou reducionismos. A categoria da totalidade, por sua vez, exige uma cadeia de mediações que articule o movimento histórico e os homens concretos. Semelhantemente às cadeias de mediações, numa totalidade concreta e contraditória (como é a sociedade capitalista), necessitam explicitar o que mediar. Nesse caso é necessário o recurso à categoria da reprodução, porque o sistema vigente, ao tentar se reproduzir para se manter, reproduz as contradições dessa totalidade, reveladas em seus instrumentos e enlaces mediadores. E por fim a manutenção desse mesmo sistema, especialmente no caso da educação, implica a busca de um consentimento coletivo por parte das classes sociais. Daí o recurso à noção de hegemonia. Mas essa é uma noção dialetizada, e por isso mesmo ela não é compreensível sem a referência às contradições que a própria direção hegemônica busca atenuar.

Contrapondo as pedagogias reprodutivistas e estruturalistas, a educação é colocada no contexto de mediação e espaço de disputa contra-hegemônica. O conceito de contradição é o principal argumento para discutir contra a reprodução, porém este conceito ainda não é abandonado, somente mediatizado pelo conceito de contradição.
Outra referencia citada por Saviani como fundamental para a formação teórica de sua corrente pedagógica foi a tese de Guiomar Namo de Mello, publicada em 1983 sob o título de Magistério de 1º grau: da competência técnica ao compromisso político. A categoria fundamental do trabalho, segunda a autora e seu orientador, é a Mediação. O conceito de mediação, segundo a autora, está implicado com o conceito de contradição e vai além da passagem de conceitos gerais aos mais simples. Partindo da crítica de Sartre a Marx, Mello chega a Gramsci para fixar o seu conceito:
A melhoria de vida, a obtenção de melhor emprego, a aquisição de bens materiais, para os quais a escola pode ser importante, não configuram um projeto revolucionário nem levam por si mesmos a uma negação da dominação.
 Constituem, todavia uma expressão individualmente negadora da origem de classe, cuja passagem para um projeto coletivo vai depender da participação de cada indivíduo na dinâmica do social em suas várias outras instâncias, das quais o trabalho é a mais importante. Como mediação, a escolaridade pode contribuir para essa participação, mas não a determina nem a direciona.
O que o saber escolar, quando bem apropriado, permite adquirir não é necessariamente um desvelamento completo da dominação. É apenas uma visão de mundo menos mística e folclórica, mais integrada. São habilidades básicas de comunicação, de cálculo, de conhecimentos do mundo físico e social. (p.31)

A questão da mediação não foi uma polêmica no grupo, mas sim o caráter que esta mediação educacional foi tomando durante o trabalho:
A competência técnica, o saber fazer bem, é a passagem, a mediação, pela qual se realiza um dos sentidos políticos em si da educação escolar, É com ela, a competência, e com ele, o sentido político em si, que pretendo, trabalhar na interpretação dos dados empíricos acerca das representações dos professores, tomando-os como uma das condições escolares. (p. 34)
Ao tomar a competência técnica como a mediação da educação escolar, Namo de Mello abandona os conceitos marxistas e gramscianos e busca na psicologia social e Verón e Moscovici meios de defender a culpabilização dos alunos pela incompetência dos professores, encoberta por perspectivas amorosas e paternalistas. Nosella (1983) ataca a autora por ver em sua tese uma volta ao tecnicista, mas esta é defendida por Saviani (2008) que consegue ver em sua perspectiva um vigoroso ataque ao inimigo comum (o estruturalismo/reprodutivismo).
O GT Trabalho e Educação nasceu dentro do contexto das discussões educacionais gramscianas e marxistas que tinham como vértice a pós-graduação da Puc-São Paulo e, conseqüente mente de Saviani e seus orientandos.
Conforme o artigo de Eunice Trein e Maria Ciavatta Franco (2002):
Inicialmente o GT denominou-se Educação e Trabalho, mas a concepção de trabalho enquanto práxis humana, material e não-material, que constitui o trabalho como princípio educativo – e que portanto não se encerra na produção de mercadorias –, exige que a educação seja compreendida em suas múltiplas determinações, conforme o estágio do desenvolvimento das forças produtivas e das relações de produção. Dentro de uma visão dialética da história, no quadro dos estudos e publicações sobre Marx e Gramsci, formou-se a idéia de que não se pode compreender a escola dissociada da sociedade a que ela pertence. Nesse sentido, a escola e a educação não devem ser estudadas como unidades autônomas, mas dentro das relações sociais de que fazem parte. Essas reflexões determinaram a mudança do nome do GT para Trabalho e Educação [Kuenzer, 1987]. (p.144)
Novos conceitos e categorias gramscianas passaram a ser paradigmáticas na formação do GT trabalho e educação: principalmente o de trabalho, como principio educativo e o conceito de educação politécnica ou tecnológica.
Neste novo contexto surgem novos intelectuais que levaram as discussões adiante, entre eles Acácia Kuenzer, Gaudêncio Frigotto, Maria Ciavatta Franco, etc. Entre eles destacaremos Gaudêncio Frigotto, que segundo estudos é o autor mais citado atualmente nos trabalhos do GT Trabalho e Educação.[1]
A tese de doutorado de Frigotto (2006), publicada como A produtividade da escola improdutiva em 1984, foi um marco na discussão sobre a Economia Política da Educação. Ainda pautada como oposição aos marcos teóricos reprodutivistas, avança teoricamente para uma análise da Educação no contexto das mudanças das relações capitalistas no final do século XX. Surge um novo antagonista para os pedagogos gramscianos: a Teoria do Capital Humano.
Assim as idéias pedagógicas do grupo, ao contrário da posição de Namo de Mello aparecem mediatizadas pelas relações sociais de classe retomando conceitos chaves de Marx – luta de classes, e de Gramsci – trabalho como princípio educativo e educação politécnica.
Assim Frigotto coloca a visão de Gramsci:
Gramsci, efetivamente, vai dar ao princípio do trabalho como elemento educativo, à inseparabilidade entre ensino e trabalho produtivo e ao caráter politécnico da escola única, uma dimensão mais ampla e cultural.
(...) 
A análise que Gramsci faz da escola única e do caráter politécnico da escola se situa, então, no bojo mais amplo da análise que o mesmo faz da questão das classes sociais, da hegemonia, do partido e do intelectual no contexto de um capitalismo monopolista. Subjaz à especificidade dessas análises uma questão fundamental que une a reflexão teórica à prática política em Gramsci. Trata-se de entender porque no interior do capitalismo monopolista, no Oci­dente, a passagem para a sociedade socialista é mais complexa, e de se situar o espaço e os mecanismos onde se articula esta passagem. 
Ao buscar a resposta a essa questão, como vimos, Gramsci é levado a desenvolver, no âmbito teórico e prático, a questão das relações de classe, da hegemonia, do Estado, dos intelectuais, do partido, da escola e sua função. (190-191)

Após, ou contemporaneamente a, Frigotto e ainda vinculados a PUC-SP e também ao GT - Trabalho e Educação, diversos pesquisadores debruçaram-se sobre os conceitos de educação politécnica, escola unitária e suas relações com o mundo do trabalho. A grande maioria dos trabalhos mantinha-se vinculada à teoria gramsciana, entre estes Lucília Machado e Acácia Kuenzer (que são referências básicas nas pesquisas no GT - Trabalho e Educação, ver tabela na nota 1, p.6), que irão trabalhar as concepções de educação unitária e politécnica em relação ao ensino profissionalizante e médio, respectivamente.
Gramsci tem o papel decisivo nestas teorias pedagógicas, não só por definir o trabalho como principio educativo, mas sim por desenvolver o conceito de hegemonia, que permite vislumbrar a educação como espaço da luta contra hegemônica e os conteúdos educacionais apreendidos como mediações para a superação do senso comum a caminho de uma consciência filosófica. A luta dos educadores gramscianos será por uma educação pública, unitária, porém politécnica – para garantir aos trabalhadores o domínio dos conhecimentos sistematizados pela cultura (burguesa) e o domínio das tecnologias, articulando assim trabalho manual e trabalho intelectual, Gramsci não só valoriza do papel do intelectual orgânico, mas também do intelectual tradicional que permite a sistematização do conhecimento.
Não cabe neste trabalho a discussões sobre outras concepções marxistas de educação, nem o julgamento das posições de Antonio Gramsci em relação as perspectivas de uma revolução socialista ou da transição ao reino da liberdade. Assim ficam para um futuro trabalho as contraposições ao conceito de hegemonia e a eleição da sociedade civil como espaço privilegiado para as lutas contra-hegemônicas (lutas de classe). A pedagogia gramsciana brasileira nasce das críticas às pedagogias estruturalistas e reprodutivistas, e estas nasceram de uma leitura de Gramsci, este debate cíclico merece um retorno aos clássicos – discutindo as concepções marxianas que deram origem as idéias aqui em destaque.
Cabe ainda, à guisa de consideração parcial, dizer que estas discussões gramscianas serviram de base teórica para várias lutas por dentro dos sistemas educacionais, seja nas discussões sobre a legislação (da Constituição de 1988 aos decretos sobre educação profissional), a favor de educação de perspectiva crítica e ampla, como nos sindicatos docentes e de trabalhadores de educação. Assim sendo, cresce sua importância para uma analise a partir perspectiva marxista da educação brasileira.

Referências Bibliográficas:
FRANCO, Maria A. Ciavatta e TREIN, Eunice. O percurso teórico e empírico do GT Trabalho e Educação: uma análise para debate. In: Revista Brasileira de Educação. Nº 24. Set /Out /Nov /Dez, 2003.
FRIGOTTO, Gaudêncio. A produtividade da escola improdutiva: um (re) exame das relações entre educação e estrutura econômico-social e capitalista. 8ª ed. São Paulo: Cortez, 2006.
MELLO, Guiomar Namo de. Magistério de 1° grau: da competência técnica ao compromisso político. 10. Ed. — São Paulo: Cortez, 1993.
NOSELLA, Paolo. Compromisso Político e Competência Técnica: 20 anos depois. Educação e Sociedade, Campinas, vol. 26, n. 90, p. 223-238, Jan./Abr. 2005.
SAVIANI, Demerval. Escola e Democracia. Campinas: Autores Associados, 2008.
_________________. Do senso comum à consciência filosófica. São Paulo: Cortez, 1986.
_________________. Pedagogia Histórico-Crítica. Campinas: Autores Associados, 2002.
RODRIGUES, José. A Educação Politécnica no Brasil. Niterói: Eduff, 1998a.
________________. O Moderno Príncipe Industrial: o pensamento da Confederação Nacional da Industria. Campinas: Autores Associados, 1998b.
_________________.Nós, os educadores que amávamos a revolução: Origens, desenvolvimento e crise do campo Trabalho-Educação no Brasil, mimeo. 2006.





[1] Conforme a tabela abaixo extraída de Rodrigues (2006):

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

A violência e o Capital

A violência urbana no Brasil só vira assunto internacional, quando o Estado perde o controle relativo sobre a situação. Mas isto, não é assunto recente no dia-a-dia da população das grandes cidades brasileiras. São dezenas de anos de miséria e banditismo nas favelas e comunidades carentes, onde coronéis modernos dominam a multidão assustada.
O coronelismo, política instituída no Brasil desde a lei de Terras, garante a caudilhos brasileiro o domínio territorial e político de nichos rurais e urbanos. Geralmente se identifica esta política como típica do interior atrasado e não conseguem ligá-la ao domínio urbano de determinadas famílias em currais eleitorais nos bairros de subúrbio das grandes cidades.
Nas favelas, o banditismo, não é diferente do antigo cangaço. Longe de serem heróis, eles reproduzem a realidade de domínio coronelista sem os requintes ideológicos da política burguesa. Como os antigos cangaceiros, estes bandidos atraem os jovens, revoltados com sua situação social. Este sentimento de revolta em conjunto com os ganhos financeiros com o tráfico são a combinação perfeita para o domínio ideológico.
E o Estado burguês? A violência estatal somente movimenta esta violência. Como não resolve os problemas sociais da sociedade capitalista, a repressão retira os bandidos de uma região ou de uma atividade criminosa para outra. Se violência e repressão resolvessem estes problemas, não seria na Ditadura Militar que surgiria o crime organizado no Rio de Janeiro.
Os fatos que estão acontecendo no Rio de Janeiro, neste momento, são conseqüência da política puramente repressiva. As UPPs são aplaudidas por trazer a paz a determinadas comunidades, mas na verdade trazem a ordem burguesa – cobrança de impostos e serviços particulares, bancos etc. Além disso, a população pobre continua na mesma miséria de sempre, e os jovens seduzidos pelos ganhos no tráfico migram para comunidades de mesmo comando.
O terrorismo que hoje se manifesta no Rio é nada mais que a reação violenta pela tomada de territórios de determinado grupo criminoso. E o Estado somente tem como alternativa mais violência. Em longo prazo, qual será a política do Estado?
Somente a organização consciente do proletariado contra o Capital, este que organiza dos dois lados desta guerra sanguinária, é capaz de aplacar esta violência. Os sentimentos gerados pela ideologia capitalista são responsáveis pelas escolhas de milhões de pessoas que querem enriquecer de qualquer maneira. Solidariedade, companheirismo, comunidade são conceitos que não se encaixam numa sociedade em que reinam as ideologias da prosperidade, do egoísmo e da competitividade. Mas não basta a luta ideológica, através de discursos ou “educação do povo”, há de se construir uma alternativa real de sociedade, onde reine a igualdade. Para isso somente a luta direcionada contra o Capital e não contra os marginalizados pode resolver a situação. Por enquanto, enquanto não há forças para tal luta final, devemos construir organizações de trabalhadores para enfrentar estas situações de miséria, sem cair nos engodos burgueses.
Não há alternativa unicamente reformista, o Estado Burguês não pode e não quer resolver os problemas do proletariado. A luta revolucionária visa destruir esta estrutura que sustenta as desigualdade, e para manter a dignidade do proletariado até lá, lutamos por melhores salários, moradias dignas, pleno emprego, políticas educacionais e sociais.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

TIPOS DE VIOLÊNCIA: Fromm e Freire


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A sociedade industrial constrói barreiras e desejos antagônicos. Enquanto promove, ideologicamente, o consumismo, exclui a maioria da população das condições mínimas de bem-estar humano.  A reação a este paradoxo, socialmente construído, é a violência em diversas formas.
O estudo de Fromm (1977) sobre as formas de violência deixa claro que a construção do caráter humano é, evidentemente, social. O Homem não é bom ou mau por natureza. E até mesmo, a definição de bondade ou maldade depende do ponto de vista. A burguesia vê maldade na revolta dos trabalhadores superexplorados, mas não vê maldade em sua exploração desumana.
A violência recreativa, segundo Fromm (1977) é exercida como exibição de perícia, utilizadas desde os antigos jogos tribais e esgrimistas budistas zen. Até a violência recreativa, entretanto, que é utilizada desde os primórdios como forma de preparação do corpo e da mente, vem sendo desvirtuada e ganhando caracteres sádicos através de mitos de superioridade corporal e culto à força e ao corpo.
A chamada violência reativa - que é desencadeada por um contexto de opressão - sempre é a mais combatida, pois reflete a insatisfação com a situação que é imposta ao indivíduo ou a coletividade. Sobre a violência reativa Fromm diz:
Por este nome entendo a violência empregada na defesa da vida, da liberdade, da dignidade ou da propriedade – de si próprio e dos outros. Ela tem suas raízes no medo, e por isso mesmo é provadamente a forma mais freqüente de violência; o medo pode ser real ou imaginário, consciente ou inconsciente. Este tipo de violência acha-se a serviço da vida, não da morte; sua meta é preservar, não destruir. Não é inteiramente decorrente de paixões irracionais, mas até certo ponto de avaliação racional; por isso, também implica também certa proporcionalidade entre fim e meios. Tem sido sustentado que, sob um ponto de vista espiritual mais elevado, matar – mesmo em defesa – nunca está moralmente certo. A maioria dos que sustentam essa convicção, entretanto,  admitem que a violência na defesa da vida é de natureza diferente daquela que visa a destruir por prazer. (FROMM, 1977. p.26)

Freire, em sua Pedagogia do Oprimido (2001, p. 46-49) faz uma análise da violência reativa dos oprimidos perante a opressão a qual estão submetidos na sociedade industrial. Nesta mostra como a violência das classes oprimidas nasce da extrema violência imprimida pelos opressores.
Enquanto a violência dos opressores faz dos oprimidos homens proibidos de ser, a resposta destes à violência se encontra infundida no anseio de busca do direito a ser.
Os opressores, violentando e proibindo que os outros sejam, não podem igualmente ser, os oprimidos, lutando por ser, ao retirar-lhe o poder de oprimir e de esmagar, lhes restauram a humanidade que haviam perdido no uso da opressão. (FREIRE, 2001. p. 48)
A violência reativa, como não se baseia na realidade e sim nas construções mentais, pode reagir a manipulações da mente humana. Assim, “líderes políticos ou religiosos podem persuadir seus adeptos de que estão sendo ameaçados por um inimigo, e assim despertar a resposta subjetiva da hostilidade reativa.” (FROMM, 1977. p. 26)
Outra forma de violência reativa é causada pela frustração dos desejos. Os objetivos e necessidades frustradas do ser humano o levam à agressão. A inveja e o ciúme são outras formas de frustração que também levam o Homem à violência.
Outro tipo de violência relacionado com a violência reativa, mas já um passo adiante na direção do patológico é a violência vingativa. Na reativa o fim é evitar a ameaça, e por isso essa violência serve à função biológica da sobrevivência. Na vingativa, pelo contrário, o mal já foi feito, e por isso a violência não tem função defensiva. Tem a função irracional de desfazer magicamente o que foi feito realisticamente.(idem, ibidem, p.29)

Uma forma próxima da violência vingativa, descrita por Fromm acima, é o desmoronamento da fé. Por diversos traumas, a criança pode perder a fé nos pais, no amor e na vida. Estas pessoas quando adultas tentam reencontrar a fé em outras pessoas (amigos, professores, ou amores) ou tornar-se cética e desapontada e cair nos braços de uma autoridade poderosa (Igreja, Partido ou chefe). No pior dos casos ela supera através do apego as coisas materiais (dinheiro, poder e prestígio)
Mas, segundo Fromm:
A pessoa profundamente ludibriada e desapontada também pode começar a odiar a vida. Se não há nada nem ninguém em quem se acreditar, se sua fé na bondade e na justiça foi apenas uma ilusão tola, se a vida é dirigida pelo Diabo em vez de Deus – então, de fato, a vida torna-se odiosa: não se pode mais tolerar a dor do desapontamento. A pessoa quer provar que a vida é má, que os homens são maus, que ela própria é má. O crente e amante da vida desapontado tornar-se-á, então, um cínico e um destruidor. Essa destrutividade é filha do desespero: o desapontamento com a vida levou ao ódio à vida. (id., ibidem. p. 31)

Outra forma de violência tratada por Fromm é a violência compensatória, na qual as pessoas impotentes, que não se acham potentes para construir, tendem a ser destrutivas. Este tipo de violência é mais patológico. 
“Essa violência é a violência dos aleijados, daqueles a quem a vida negou a capacidade para qualquer expressão positiva de seus poderes especificamente humanos. Precisam destruir justamente por serem humanos, por ser humano significa transcender a natureza da coisa, do objeto.” (id., ibidem. p. 33)

Próximo da violência compensatória, Fromm vê a essência do sadismo, cuja característica principal é o desejo de submeter o próximo.
No sadismo, conforme mostrei em O Medo à Liberdade, o desejo de infringir dor aos outros não é o essencial. Todas as diversas formas de sadismo que podemos observar remontam a um impulso básico, qual seja o de exercer domínio completo sobre outra pessoa, torná-la um objeto indefeso de sua vontade, tornar-se um deus dela, fazer com ela o que bem lhe der na veneta. Humilhá-la, escravizá-la, são meios para tal fim, e a meta mais radical é fazê-la sofrer, pois não existe maior poder sobre outra pessoa do que o de obrigá-la a suportar o sofrimento sem se capaz de defender-se. (id., ibidem. p. 33 - 34)

Este sadismo aparece amplificado no caráter necrófilo dos opressores – a burguesia. Segundo Freire, analisando a violência da opressão:
Esta violência, como um processo, passa de geração a geração de opressores, que se vão fazendo legatários dela e formando-se no seu clima geral. Este clima gera nos opressores uma consciência fortemente possessiva. Possessiva do mundo e dos homens. Fora da posse direta, concreta, material, do mundo e dos homens, os opressores não se podem entender a si mesmos. Não podem ser. Deles como consciências necrófilas, diria Fromm que, sem esta posse, “perderiam el contacto com el mundo.”[1] Daí que tendam a transformar tudo o que os cerca em objeto de seu domínio. A terra, os bens, a produção, a criação dos homens, os homens mesmo, o tempo em que estão os homens, tudo se reduz a objeto de seu comando. (FREIRE, 2001. p. 50-51)

Além destes tipos de violência Fromm descreve a “sede de sangue”. Esta é a representação arcaica do sentimento de volta à natureza, onde matar passa a ser parte da vida. O homem torna-se um animal,  cuja transcendência só se dá através do assassínio ou da própria morte.



[1] Nota de Freire: Erich Fromm. El Corazón Del Hombre, Breviario. México: Fondo de Cultura Económica, 1967. p. 41. [Publicado no Brasil, FROMM, 1977. p.44]

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

VIOLÊNCIA E EDUCAÇÃO: um diálogo com Paulo Freire e Erich Fromm

VIOLÊNCIA E EDUCAÇÃO

A violência escolar não pode ser vista fora de seu contexto social. Esta violência, vivenciada na escola, é reflexo da opressão social e suas seqüelas deixadas em nossa sociedade.
Todo discurso atual sobre violência encarna a visão dos opressores. O violento é o pobre marginalizado. O jovem proletário que se desviou moralmente dos princípios éticos burgueses é expresso como o marginal – o bandido. O jovem burguês que pratica atos de violência é visto como problemático ou embebido do espírito alegre e despreocupado da juventude.
O mesmo acontece na operação inversa, a vítima da violência proveniente dos opressores é negligenciada, mas quando um pobre agride um rico, é pouco     qualquer tipo de punição – daí a defesa intransigente da pena de morte e de formas mais “firmes” de violência vingativa.
O sistema penal brasileiro, como o  da maioria absoluta dos países, reflete este desejo de vingança. Não se constroem presídios e reformatórios juvenis pensando na recuperação dos detidos, mas sim para privá-los da liberdade e excluí-los do meio social, como forma de vingança pelos crimes cometidos.
O crescimento do tráfico de drogas nas favelas e bairros proletários é manchete crescentemente nos jornais. Jovens, em busca do consumismo libertador pregado diariamente pelos veículos de propaganda burguesa, se entregam a uma vida perigosa – tornam-se necrófilos, como aqueles que veiculam os valores consumistas na televisão.
A indústria do tráfico movimenta milhões de reais, incitando a ganância e a formação de jovens cujo caráter é moldado pelo caráter mercantil, que antes pertencia somente à classe dominante. A elite do tráfico age da mesma forma que qualquer opressor, de maneira sádica e necrófila com os oprimidos. Usam os mesmos recursos de opressão da ação antidialógica, descrita por Freire (2001. p.157): conquista, dividir para manter a opressão, manipulação e invasão cultural.
As pessoas que vivem nas favelas convivem com a dupla opressão: de um lado os “bandidos”, do outro lado o Estado – representado pela polícia, cuja única função é reprimir violentamente os oprimidos.
As políticas públicas, utilizadas pelo Estado como formas de diminuir a violência, são sempre ou opressor-punitivas ou alienante-paternalistas. Assim, temos: incursões violentas nas favelas, com mortes de vários inocentes; e  programas para retiraram os menores das ruas, isto é, medidas pseudo-educativas, cujo único objetivo é ocupar o tempo de ócio da juventude proletária. Pois a construção de uma visão crítica da sociedade levaria estes jovens ao questionamento da atual sociedade.
O papel da Educação estaria em dar subsídios aos oprimidos para entenderem seu atual estado de opressão. A educação bancária, porém, que é a base da estrutura escolar atual, representa a estrutura dominante de dominação – reproduzindo o sadismo do opressor. Nesta, os alunos são reificados, impedidos de ser mais, críticos e criadores – são depósitos de conhecimentos sem sentido, sem ligação direta com suas vivências.
A opressão, que é um controle esmagador, é necrófila. Nutre-se do amor à morte e não do amor à vida.
A concepção “bancária”, que a serve, também o é. No momento mesmo em que se funda num conceito mecânico, estático, especializado da consciência e em que transforma, por isso mesmo, os educando em recipientes, em quase coisas, não pode esconder sua marca necrófila. Não se deixa mover pelo ânimo de libertar o pensamento pela ação dos homens uns com outros na tarefa comum de refazerem o mundo e torná-lo mais e mais humano.(FREIRE, 2001. p. 74).

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Professores e a alienação

Não fazendo uma discussão filosófica sobre o conceito de alienação postei a seguinte provocação na comunidade de Concursos para o Magistério:

Infelizmente, muitos professores são completamente alienados, não conseguem enxergar que toda a realidade social está conectada por fios políticos.
Assim temos educadores de origem popular que votaram no Serra, sempre se colocam contra as greves e sempre culpam o sindicato por tudo.
O papel do educador é promover o debate, discutir o mundo, e para isso é necessário uma visão crítica.
Então concordo com a máxima da educadora Maria Tereza Nildelcoff: “só existem dois tipos de professores: o professor sindicalista ou o professor policial”.
Professor sindicalista não é aquele diretor ou filiado do SEPE, mas aquele que participa ativamente da transformação do mundo, aquele que não aceita a realidade de opressão e não é instrumento de opressão ou alienação de seus alunos. É aquele que se mobiliza que explica aos alunos os motivos da greve, e explica que a luta não é só por salário, mas por uma sociedade diferente: não só mais justa, mas realmente igualitária.

sábado, 30 de outubro de 2010

Em Tempos Sombrios, Tática Inesperada

Com a esquerda em refluxo, as alternativas se tornam escassas. Não há mobilizações em massa, não há partido revolucionário em construção, não há nem mesmo uma pequena vanguarda coesa.
Neste mar de desalentos, pouquíssimos militantes de esquerda se aventuram no movimento sindicais e estudantes perante a imensa massa de manobra guiada pelos partidos que estão no poder.
Os trotskistas puxam o voto nulo, mas não conseguem construir uma mobilização, nem mostrar-se como alternativa aos modelos dominantes. Serra e Dilma estão comprometidos com a burguesia é certo.
Mas neste momento, nestes tempos sombrios,é preferível um governo liberal-populista do que um retorno a Era FHC. Cabe a esquerda se organizar para lutar. E não há como lutar com fome, desempregado, jogado no subemprego, etc.
Não por convicção ou ideal, mas por tática (podem me acusar de taticista) voto em Dilma no Segundo Turno.
Mas como tática é apenas uma etapa, no dia seguinte já estarei mobilizado para lutar para a construção de um governo dos trabalhadores, que não poderá vir através da democracia burguesa.