quarta-feira, 10 de novembro de 2010

TIPOS DE VIOLÊNCIA: Fromm e Freire


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A sociedade industrial constrói barreiras e desejos antagônicos. Enquanto promove, ideologicamente, o consumismo, exclui a maioria da população das condições mínimas de bem-estar humano.  A reação a este paradoxo, socialmente construído, é a violência em diversas formas.
O estudo de Fromm (1977) sobre as formas de violência deixa claro que a construção do caráter humano é, evidentemente, social. O Homem não é bom ou mau por natureza. E até mesmo, a definição de bondade ou maldade depende do ponto de vista. A burguesia vê maldade na revolta dos trabalhadores superexplorados, mas não vê maldade em sua exploração desumana.
A violência recreativa, segundo Fromm (1977) é exercida como exibição de perícia, utilizadas desde os antigos jogos tribais e esgrimistas budistas zen. Até a violência recreativa, entretanto, que é utilizada desde os primórdios como forma de preparação do corpo e da mente, vem sendo desvirtuada e ganhando caracteres sádicos através de mitos de superioridade corporal e culto à força e ao corpo.
A chamada violência reativa - que é desencadeada por um contexto de opressão - sempre é a mais combatida, pois reflete a insatisfação com a situação que é imposta ao indivíduo ou a coletividade. Sobre a violência reativa Fromm diz:
Por este nome entendo a violência empregada na defesa da vida, da liberdade, da dignidade ou da propriedade – de si próprio e dos outros. Ela tem suas raízes no medo, e por isso mesmo é provadamente a forma mais freqüente de violência; o medo pode ser real ou imaginário, consciente ou inconsciente. Este tipo de violência acha-se a serviço da vida, não da morte; sua meta é preservar, não destruir. Não é inteiramente decorrente de paixões irracionais, mas até certo ponto de avaliação racional; por isso, também implica também certa proporcionalidade entre fim e meios. Tem sido sustentado que, sob um ponto de vista espiritual mais elevado, matar – mesmo em defesa – nunca está moralmente certo. A maioria dos que sustentam essa convicção, entretanto,  admitem que a violência na defesa da vida é de natureza diferente daquela que visa a destruir por prazer. (FROMM, 1977. p.26)

Freire, em sua Pedagogia do Oprimido (2001, p. 46-49) faz uma análise da violência reativa dos oprimidos perante a opressão a qual estão submetidos na sociedade industrial. Nesta mostra como a violência das classes oprimidas nasce da extrema violência imprimida pelos opressores.
Enquanto a violência dos opressores faz dos oprimidos homens proibidos de ser, a resposta destes à violência se encontra infundida no anseio de busca do direito a ser.
Os opressores, violentando e proibindo que os outros sejam, não podem igualmente ser, os oprimidos, lutando por ser, ao retirar-lhe o poder de oprimir e de esmagar, lhes restauram a humanidade que haviam perdido no uso da opressão. (FREIRE, 2001. p. 48)
A violência reativa, como não se baseia na realidade e sim nas construções mentais, pode reagir a manipulações da mente humana. Assim, “líderes políticos ou religiosos podem persuadir seus adeptos de que estão sendo ameaçados por um inimigo, e assim despertar a resposta subjetiva da hostilidade reativa.” (FROMM, 1977. p. 26)
Outra forma de violência reativa é causada pela frustração dos desejos. Os objetivos e necessidades frustradas do ser humano o levam à agressão. A inveja e o ciúme são outras formas de frustração que também levam o Homem à violência.
Outro tipo de violência relacionado com a violência reativa, mas já um passo adiante na direção do patológico é a violência vingativa. Na reativa o fim é evitar a ameaça, e por isso essa violência serve à função biológica da sobrevivência. Na vingativa, pelo contrário, o mal já foi feito, e por isso a violência não tem função defensiva. Tem a função irracional de desfazer magicamente o que foi feito realisticamente.(idem, ibidem, p.29)

Uma forma próxima da violência vingativa, descrita por Fromm acima, é o desmoronamento da fé. Por diversos traumas, a criança pode perder a fé nos pais, no amor e na vida. Estas pessoas quando adultas tentam reencontrar a fé em outras pessoas (amigos, professores, ou amores) ou tornar-se cética e desapontada e cair nos braços de uma autoridade poderosa (Igreja, Partido ou chefe). No pior dos casos ela supera através do apego as coisas materiais (dinheiro, poder e prestígio)
Mas, segundo Fromm:
A pessoa profundamente ludibriada e desapontada também pode começar a odiar a vida. Se não há nada nem ninguém em quem se acreditar, se sua fé na bondade e na justiça foi apenas uma ilusão tola, se a vida é dirigida pelo Diabo em vez de Deus – então, de fato, a vida torna-se odiosa: não se pode mais tolerar a dor do desapontamento. A pessoa quer provar que a vida é má, que os homens são maus, que ela própria é má. O crente e amante da vida desapontado tornar-se-á, então, um cínico e um destruidor. Essa destrutividade é filha do desespero: o desapontamento com a vida levou ao ódio à vida. (id., ibidem. p. 31)

Outra forma de violência tratada por Fromm é a violência compensatória, na qual as pessoas impotentes, que não se acham potentes para construir, tendem a ser destrutivas. Este tipo de violência é mais patológico. 
“Essa violência é a violência dos aleijados, daqueles a quem a vida negou a capacidade para qualquer expressão positiva de seus poderes especificamente humanos. Precisam destruir justamente por serem humanos, por ser humano significa transcender a natureza da coisa, do objeto.” (id., ibidem. p. 33)

Próximo da violência compensatória, Fromm vê a essência do sadismo, cuja característica principal é o desejo de submeter o próximo.
No sadismo, conforme mostrei em O Medo à Liberdade, o desejo de infringir dor aos outros não é o essencial. Todas as diversas formas de sadismo que podemos observar remontam a um impulso básico, qual seja o de exercer domínio completo sobre outra pessoa, torná-la um objeto indefeso de sua vontade, tornar-se um deus dela, fazer com ela o que bem lhe der na veneta. Humilhá-la, escravizá-la, são meios para tal fim, e a meta mais radical é fazê-la sofrer, pois não existe maior poder sobre outra pessoa do que o de obrigá-la a suportar o sofrimento sem se capaz de defender-se. (id., ibidem. p. 33 - 34)

Este sadismo aparece amplificado no caráter necrófilo dos opressores – a burguesia. Segundo Freire, analisando a violência da opressão:
Esta violência, como um processo, passa de geração a geração de opressores, que se vão fazendo legatários dela e formando-se no seu clima geral. Este clima gera nos opressores uma consciência fortemente possessiva. Possessiva do mundo e dos homens. Fora da posse direta, concreta, material, do mundo e dos homens, os opressores não se podem entender a si mesmos. Não podem ser. Deles como consciências necrófilas, diria Fromm que, sem esta posse, “perderiam el contacto com el mundo.”[1] Daí que tendam a transformar tudo o que os cerca em objeto de seu domínio. A terra, os bens, a produção, a criação dos homens, os homens mesmo, o tempo em que estão os homens, tudo se reduz a objeto de seu comando. (FREIRE, 2001. p. 50-51)

Além destes tipos de violência Fromm descreve a “sede de sangue”. Esta é a representação arcaica do sentimento de volta à natureza, onde matar passa a ser parte da vida. O homem torna-se um animal,  cuja transcendência só se dá através do assassínio ou da própria morte.



[1] Nota de Freire: Erich Fromm. El Corazón Del Hombre, Breviario. México: Fondo de Cultura Económica, 1967. p. 41. [Publicado no Brasil, FROMM, 1977. p.44]

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