sexta-feira, 26 de novembro de 2010

A violência e o Capital

A violência urbana no Brasil só vira assunto internacional, quando o Estado perde o controle relativo sobre a situação. Mas isto, não é assunto recente no dia-a-dia da população das grandes cidades brasileiras. São dezenas de anos de miséria e banditismo nas favelas e comunidades carentes, onde coronéis modernos dominam a multidão assustada.
O coronelismo, política instituída no Brasil desde a lei de Terras, garante a caudilhos brasileiro o domínio territorial e político de nichos rurais e urbanos. Geralmente se identifica esta política como típica do interior atrasado e não conseguem ligá-la ao domínio urbano de determinadas famílias em currais eleitorais nos bairros de subúrbio das grandes cidades.
Nas favelas, o banditismo, não é diferente do antigo cangaço. Longe de serem heróis, eles reproduzem a realidade de domínio coronelista sem os requintes ideológicos da política burguesa. Como os antigos cangaceiros, estes bandidos atraem os jovens, revoltados com sua situação social. Este sentimento de revolta em conjunto com os ganhos financeiros com o tráfico são a combinação perfeita para o domínio ideológico.
E o Estado burguês? A violência estatal somente movimenta esta violência. Como não resolve os problemas sociais da sociedade capitalista, a repressão retira os bandidos de uma região ou de uma atividade criminosa para outra. Se violência e repressão resolvessem estes problemas, não seria na Ditadura Militar que surgiria o crime organizado no Rio de Janeiro.
Os fatos que estão acontecendo no Rio de Janeiro, neste momento, são conseqüência da política puramente repressiva. As UPPs são aplaudidas por trazer a paz a determinadas comunidades, mas na verdade trazem a ordem burguesa – cobrança de impostos e serviços particulares, bancos etc. Além disso, a população pobre continua na mesma miséria de sempre, e os jovens seduzidos pelos ganhos no tráfico migram para comunidades de mesmo comando.
O terrorismo que hoje se manifesta no Rio é nada mais que a reação violenta pela tomada de territórios de determinado grupo criminoso. E o Estado somente tem como alternativa mais violência. Em longo prazo, qual será a política do Estado?
Somente a organização consciente do proletariado contra o Capital, este que organiza dos dois lados desta guerra sanguinária, é capaz de aplacar esta violência. Os sentimentos gerados pela ideologia capitalista são responsáveis pelas escolhas de milhões de pessoas que querem enriquecer de qualquer maneira. Solidariedade, companheirismo, comunidade são conceitos que não se encaixam numa sociedade em que reinam as ideologias da prosperidade, do egoísmo e da competitividade. Mas não basta a luta ideológica, através de discursos ou “educação do povo”, há de se construir uma alternativa real de sociedade, onde reine a igualdade. Para isso somente a luta direcionada contra o Capital e não contra os marginalizados pode resolver a situação. Por enquanto, enquanto não há forças para tal luta final, devemos construir organizações de trabalhadores para enfrentar estas situações de miséria, sem cair nos engodos burgueses.
Não há alternativa unicamente reformista, o Estado Burguês não pode e não quer resolver os problemas do proletariado. A luta revolucionária visa destruir esta estrutura que sustenta as desigualdade, e para manter a dignidade do proletariado até lá, lutamos por melhores salários, moradias dignas, pleno emprego, políticas educacionais e sociais.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

TIPOS DE VIOLÊNCIA: Fromm e Freire


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A sociedade industrial constrói barreiras e desejos antagônicos. Enquanto promove, ideologicamente, o consumismo, exclui a maioria da população das condições mínimas de bem-estar humano.  A reação a este paradoxo, socialmente construído, é a violência em diversas formas.
O estudo de Fromm (1977) sobre as formas de violência deixa claro que a construção do caráter humano é, evidentemente, social. O Homem não é bom ou mau por natureza. E até mesmo, a definição de bondade ou maldade depende do ponto de vista. A burguesia vê maldade na revolta dos trabalhadores superexplorados, mas não vê maldade em sua exploração desumana.
A violência recreativa, segundo Fromm (1977) é exercida como exibição de perícia, utilizadas desde os antigos jogos tribais e esgrimistas budistas zen. Até a violência recreativa, entretanto, que é utilizada desde os primórdios como forma de preparação do corpo e da mente, vem sendo desvirtuada e ganhando caracteres sádicos através de mitos de superioridade corporal e culto à força e ao corpo.
A chamada violência reativa - que é desencadeada por um contexto de opressão - sempre é a mais combatida, pois reflete a insatisfação com a situação que é imposta ao indivíduo ou a coletividade. Sobre a violência reativa Fromm diz:
Por este nome entendo a violência empregada na defesa da vida, da liberdade, da dignidade ou da propriedade – de si próprio e dos outros. Ela tem suas raízes no medo, e por isso mesmo é provadamente a forma mais freqüente de violência; o medo pode ser real ou imaginário, consciente ou inconsciente. Este tipo de violência acha-se a serviço da vida, não da morte; sua meta é preservar, não destruir. Não é inteiramente decorrente de paixões irracionais, mas até certo ponto de avaliação racional; por isso, também implica também certa proporcionalidade entre fim e meios. Tem sido sustentado que, sob um ponto de vista espiritual mais elevado, matar – mesmo em defesa – nunca está moralmente certo. A maioria dos que sustentam essa convicção, entretanto,  admitem que a violência na defesa da vida é de natureza diferente daquela que visa a destruir por prazer. (FROMM, 1977. p.26)

Freire, em sua Pedagogia do Oprimido (2001, p. 46-49) faz uma análise da violência reativa dos oprimidos perante a opressão a qual estão submetidos na sociedade industrial. Nesta mostra como a violência das classes oprimidas nasce da extrema violência imprimida pelos opressores.
Enquanto a violência dos opressores faz dos oprimidos homens proibidos de ser, a resposta destes à violência se encontra infundida no anseio de busca do direito a ser.
Os opressores, violentando e proibindo que os outros sejam, não podem igualmente ser, os oprimidos, lutando por ser, ao retirar-lhe o poder de oprimir e de esmagar, lhes restauram a humanidade que haviam perdido no uso da opressão. (FREIRE, 2001. p. 48)
A violência reativa, como não se baseia na realidade e sim nas construções mentais, pode reagir a manipulações da mente humana. Assim, “líderes políticos ou religiosos podem persuadir seus adeptos de que estão sendo ameaçados por um inimigo, e assim despertar a resposta subjetiva da hostilidade reativa.” (FROMM, 1977. p. 26)
Outra forma de violência reativa é causada pela frustração dos desejos. Os objetivos e necessidades frustradas do ser humano o levam à agressão. A inveja e o ciúme são outras formas de frustração que também levam o Homem à violência.
Outro tipo de violência relacionado com a violência reativa, mas já um passo adiante na direção do patológico é a violência vingativa. Na reativa o fim é evitar a ameaça, e por isso essa violência serve à função biológica da sobrevivência. Na vingativa, pelo contrário, o mal já foi feito, e por isso a violência não tem função defensiva. Tem a função irracional de desfazer magicamente o que foi feito realisticamente.(idem, ibidem, p.29)

Uma forma próxima da violência vingativa, descrita por Fromm acima, é o desmoronamento da fé. Por diversos traumas, a criança pode perder a fé nos pais, no amor e na vida. Estas pessoas quando adultas tentam reencontrar a fé em outras pessoas (amigos, professores, ou amores) ou tornar-se cética e desapontada e cair nos braços de uma autoridade poderosa (Igreja, Partido ou chefe). No pior dos casos ela supera através do apego as coisas materiais (dinheiro, poder e prestígio)
Mas, segundo Fromm:
A pessoa profundamente ludibriada e desapontada também pode começar a odiar a vida. Se não há nada nem ninguém em quem se acreditar, se sua fé na bondade e na justiça foi apenas uma ilusão tola, se a vida é dirigida pelo Diabo em vez de Deus – então, de fato, a vida torna-se odiosa: não se pode mais tolerar a dor do desapontamento. A pessoa quer provar que a vida é má, que os homens são maus, que ela própria é má. O crente e amante da vida desapontado tornar-se-á, então, um cínico e um destruidor. Essa destrutividade é filha do desespero: o desapontamento com a vida levou ao ódio à vida. (id., ibidem. p. 31)

Outra forma de violência tratada por Fromm é a violência compensatória, na qual as pessoas impotentes, que não se acham potentes para construir, tendem a ser destrutivas. Este tipo de violência é mais patológico. 
“Essa violência é a violência dos aleijados, daqueles a quem a vida negou a capacidade para qualquer expressão positiva de seus poderes especificamente humanos. Precisam destruir justamente por serem humanos, por ser humano significa transcender a natureza da coisa, do objeto.” (id., ibidem. p. 33)

Próximo da violência compensatória, Fromm vê a essência do sadismo, cuja característica principal é o desejo de submeter o próximo.
No sadismo, conforme mostrei em O Medo à Liberdade, o desejo de infringir dor aos outros não é o essencial. Todas as diversas formas de sadismo que podemos observar remontam a um impulso básico, qual seja o de exercer domínio completo sobre outra pessoa, torná-la um objeto indefeso de sua vontade, tornar-se um deus dela, fazer com ela o que bem lhe der na veneta. Humilhá-la, escravizá-la, são meios para tal fim, e a meta mais radical é fazê-la sofrer, pois não existe maior poder sobre outra pessoa do que o de obrigá-la a suportar o sofrimento sem se capaz de defender-se. (id., ibidem. p. 33 - 34)

Este sadismo aparece amplificado no caráter necrófilo dos opressores – a burguesia. Segundo Freire, analisando a violência da opressão:
Esta violência, como um processo, passa de geração a geração de opressores, que se vão fazendo legatários dela e formando-se no seu clima geral. Este clima gera nos opressores uma consciência fortemente possessiva. Possessiva do mundo e dos homens. Fora da posse direta, concreta, material, do mundo e dos homens, os opressores não se podem entender a si mesmos. Não podem ser. Deles como consciências necrófilas, diria Fromm que, sem esta posse, “perderiam el contacto com el mundo.”[1] Daí que tendam a transformar tudo o que os cerca em objeto de seu domínio. A terra, os bens, a produção, a criação dos homens, os homens mesmo, o tempo em que estão os homens, tudo se reduz a objeto de seu comando. (FREIRE, 2001. p. 50-51)

Além destes tipos de violência Fromm descreve a “sede de sangue”. Esta é a representação arcaica do sentimento de volta à natureza, onde matar passa a ser parte da vida. O homem torna-se um animal,  cuja transcendência só se dá através do assassínio ou da própria morte.



[1] Nota de Freire: Erich Fromm. El Corazón Del Hombre, Breviario. México: Fondo de Cultura Económica, 1967. p. 41. [Publicado no Brasil, FROMM, 1977. p.44]

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

VIOLÊNCIA E EDUCAÇÃO: um diálogo com Paulo Freire e Erich Fromm

VIOLÊNCIA E EDUCAÇÃO

A violência escolar não pode ser vista fora de seu contexto social. Esta violência, vivenciada na escola, é reflexo da opressão social e suas seqüelas deixadas em nossa sociedade.
Todo discurso atual sobre violência encarna a visão dos opressores. O violento é o pobre marginalizado. O jovem proletário que se desviou moralmente dos princípios éticos burgueses é expresso como o marginal – o bandido. O jovem burguês que pratica atos de violência é visto como problemático ou embebido do espírito alegre e despreocupado da juventude.
O mesmo acontece na operação inversa, a vítima da violência proveniente dos opressores é negligenciada, mas quando um pobre agride um rico, é pouco     qualquer tipo de punição – daí a defesa intransigente da pena de morte e de formas mais “firmes” de violência vingativa.
O sistema penal brasileiro, como o  da maioria absoluta dos países, reflete este desejo de vingança. Não se constroem presídios e reformatórios juvenis pensando na recuperação dos detidos, mas sim para privá-los da liberdade e excluí-los do meio social, como forma de vingança pelos crimes cometidos.
O crescimento do tráfico de drogas nas favelas e bairros proletários é manchete crescentemente nos jornais. Jovens, em busca do consumismo libertador pregado diariamente pelos veículos de propaganda burguesa, se entregam a uma vida perigosa – tornam-se necrófilos, como aqueles que veiculam os valores consumistas na televisão.
A indústria do tráfico movimenta milhões de reais, incitando a ganância e a formação de jovens cujo caráter é moldado pelo caráter mercantil, que antes pertencia somente à classe dominante. A elite do tráfico age da mesma forma que qualquer opressor, de maneira sádica e necrófila com os oprimidos. Usam os mesmos recursos de opressão da ação antidialógica, descrita por Freire (2001. p.157): conquista, dividir para manter a opressão, manipulação e invasão cultural.
As pessoas que vivem nas favelas convivem com a dupla opressão: de um lado os “bandidos”, do outro lado o Estado – representado pela polícia, cuja única função é reprimir violentamente os oprimidos.
As políticas públicas, utilizadas pelo Estado como formas de diminuir a violência, são sempre ou opressor-punitivas ou alienante-paternalistas. Assim, temos: incursões violentas nas favelas, com mortes de vários inocentes; e  programas para retiraram os menores das ruas, isto é, medidas pseudo-educativas, cujo único objetivo é ocupar o tempo de ócio da juventude proletária. Pois a construção de uma visão crítica da sociedade levaria estes jovens ao questionamento da atual sociedade.
O papel da Educação estaria em dar subsídios aos oprimidos para entenderem seu atual estado de opressão. A educação bancária, porém, que é a base da estrutura escolar atual, representa a estrutura dominante de dominação – reproduzindo o sadismo do opressor. Nesta, os alunos são reificados, impedidos de ser mais, críticos e criadores – são depósitos de conhecimentos sem sentido, sem ligação direta com suas vivências.
A opressão, que é um controle esmagador, é necrófila. Nutre-se do amor à morte e não do amor à vida.
A concepção “bancária”, que a serve, também o é. No momento mesmo em que se funda num conceito mecânico, estático, especializado da consciência e em que transforma, por isso mesmo, os educando em recipientes, em quase coisas, não pode esconder sua marca necrófila. Não se deixa mover pelo ânimo de libertar o pensamento pela ação dos homens uns com outros na tarefa comum de refazerem o mundo e torná-lo mais e mais humano.(FREIRE, 2001. p. 74).

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Professores e a alienação

Não fazendo uma discussão filosófica sobre o conceito de alienação postei a seguinte provocação na comunidade de Concursos para o Magistério:

Infelizmente, muitos professores são completamente alienados, não conseguem enxergar que toda a realidade social está conectada por fios políticos.
Assim temos educadores de origem popular que votaram no Serra, sempre se colocam contra as greves e sempre culpam o sindicato por tudo.
O papel do educador é promover o debate, discutir o mundo, e para isso é necessário uma visão crítica.
Então concordo com a máxima da educadora Maria Tereza Nildelcoff: “só existem dois tipos de professores: o professor sindicalista ou o professor policial”.
Professor sindicalista não é aquele diretor ou filiado do SEPE, mas aquele que participa ativamente da transformação do mundo, aquele que não aceita a realidade de opressão e não é instrumento de opressão ou alienação de seus alunos. É aquele que se mobiliza que explica aos alunos os motivos da greve, e explica que a luta não é só por salário, mas por uma sociedade diferente: não só mais justa, mas realmente igualitária.